EuOutro

Em FEREZA a evocação à alteridade é território de recriação e de reordenamento da existência, testemunho de profundidades afetivas esculpidas pela força do embate entre o eu e o outro. O conflito é a condição da própria experiência e elemento transformador da realidade, do espaço e da vivência estético-política. É neste contexto que as obras apresentadas buscam a intensidade de com o outro sentir, pensar, reinventar o passado, vislumbrar o futuro e potencializar o presente na força do dissenso, criando novas sensibilidades, entendimentos e perspectivas diante de determinadas situações e fatos.

Assim, chamamos a atenção para o modo peculiar como Élcio Miazaki se apropria e ressignifica objetos e insígnias do universo militar, subvertendo entraves ideológicos ao apresentar cenas/imagens onde estes indivíduos não são encontrados fetichizados como ocorre no cinema e na mídia, mas em momentos de alta vulnerabilidade, descontrole, ou, ainda de desconstrução de uma masculinidade até então imaculada pela sociedade civil e pelos próprios militares. Outra questão discutida pelo artista são as diversas agruras manifestadas no Brasil atual. Através do trabalho “Retroceder” da série “Memorandos” (2017), Miazaki, ao trazer um relógio de sentido anti-horário em funcionamento, lança um olhar crítico e metafórico diante de todo o retrocesso, a intolerância, as desigualdades sociais e o sucateamento vivido pela democracia brasileira nos últimos anos.

Em Júnior Pimenta a violência versa por outros contornos. Sua poética se acha permeada por aspectos relacionados à potência do cotidiano, à xenofobia, aos deslocamentos afetivos e geográficos, as migrações e as disputas territoriais. Percebemos no conjunto de obras aqui exposto, a transposição do artista para o lugar do outro, do desconhecido, do imigrante, do refugiado ou, ainda, daqueles excluídos em seu próprio país por estarem à margem dos grandes centros do poder. A série “Mal-vindos” (2018), por exemplo, simboliza o desconvite aos que chegaram “sem permissão” no território estrangeiro. O colorido vibrante das dezenas de tapetes engana o público que ao se aproximardeles se confrontam com uma série de frases hostis e preconceituosas, coletada pelo artista dos comentários dos leitores de matérias publicadas na internet, cujo assunto se centra na problemática da imigração no Brasil e no restante do mundo.

Por sua vez, Sara Uriarte e Kim Coimbra nos apresentam trabalhos delineados por questões referentes aos diálogos e as tensões entre corporeidade e ambiente. Em “O espaço entre nós” (2019-2020), os dois disputam, mas também negociam maneiras de aproximar e distanciar seus corpos da parede que os separam. Eles parecem ampliar a percepção espacial e temporal ao insistir em experimentar os seus limites físicos e psicológicos. A dupla cria mecanismos de contato consigo mesmo e com aquilo que o cerca, estendendo suas experiências e desbancando regimes cristalizados de subjetividades.

Como podemos notar, FEREZA é uma exposição que, dentre outros aspectos, trata da relação do outro na arte a partir do olhar de um grupo de artistas com pesquisas muito específicas que não se limitam ao tempo, ao espaço, as circunstâncias e tão pouco se reduz a quem as produz.


Ana Cecília Soares

Curadora, editora e pesquisadora